Qual a mulher que nunca ouviu falar no famoso relógio biológico? Todo mundo sabe que a fertilidade feminina está diretamente ligada à idade e que depois da menopausa ela não pode mais engravidar. Mas o alarme, na verdade, deve ser disparado antes. Depois dos 40 anos, mesmo menstruando regularmente, a ovulação pode ficar comprometida e as chances de gravidez são reduzidas.
Ao contrário do que acontece com os homens, que a partir que a partir da puberdade produzem constantemente espermatozóides até uma idade bastante avançada, a mulher já nasce com todos os óvulos que terá disponível na vida. É o que os médicos chamam de reserva ovariana.
Para se teruma idéia, uma menina recém-nascida tem cerca de 2 milhões de óvulos. Quando atinge a puberdade, o número já está reduzido para algo entre 200 e 300 mil. Essa é a reserva que ela possui para “gastar” ao longo de sua fértil. A cada menstruação, perderá cerca de mil óvulos e, aos 37 anos, ela
Terá, em média, 25 mil (muitos de qualidade duvidosa). Nessa fase, a mulher entra no período que os especialistas chamam de reserva ovariana diminuída.
“A reserva ovariana diminuída precede a menopausa”, explica o Dr. Hilton Cardim, ginecologista especializado em reprodução humana e diretor da Fertclínica em Maringá, no Paraná. “Significa que o potencial de fertilidade está baixo, mas a mulher ainda menstrua. A menstruação é uma consequência da ovulação. A menopausa ocorre quando a menstruação cessa, pois os folículos ovarianos estão esgotados e a mulher não ovula mais”.
A redução da reserva ovariana, portanto, é um processo natural. Mas existem alguns fatores que podem acelerar essa perda, como a endometriose – doença caracterizada pela presença de endométrio (camada que reveste o útero) em locais fora do útero, como ovários e trompas, causando inflamações.
“A destruiçãodo tecido ovariano causada pela endometriose ou por cirurgias para seu tratamento, em que o tecido é removido ou caracterizado, predispõe à diminuição da reserva ovariana em mulheres mais jovens”, esclarece Dr. Hilton. “Outros exemplos são as cirurgias ovarianas para retirada de tumores ou cauterização de cistos. Pode ocorrer ainda em doenças autoimunes que atuam contra o ovário”, completa o médico.
DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
Toda mulher com mais de 35 anos que deseja engravidar deveria se submeter a um exame para determinação da reserva ovariana. “A reserva ovariana é avaliada fundamentalmente pela dosagem de três hormônios, médicos no terceiro dia do ciclo menstrual: FSH, LH e estradiol. Também deve ser feita a contagem de óvulos por ultrassonografia transvaginal dos ovários”, esclarece o Dr. Antônio Ramos Junior, ginecologista do Instituto Madrefert, em João Pessoa.
Nós últimos anos, vem crescendo a importância de outro marcador no mapeamento da reserva ovariana: o hormônio anti-mulleriano (HAM), que controla a formação e o desenvolvimento dos folículos (cápsulas onde os óvulos se desenvolvem). Considerada um avanço revolucionário, a dosagem do HAM, aliada em exames que medem o tamanho e o volume dos ovários, é a primeira técnica que permite avaliar com bastante precisão o potencial da fertilidade feminina.
Quando os exames mostram que o estoque está baixo, é preciso agir rápido. A fertilização in vitro é a opção mais indicada, apesar de não ser a única. “Outras formas de tratamento, como a administração ovariana e a inseminação artificial trazem resultados muito frustrantes”, lamenta o Dr. Hilton.
Infelizmente, em alguns casos, a reserva ovariana pode estar tão diminuída que, mesmo com estimulação, os médicos não conseguem extrair nenhum óvulo para realizar a FIV. “Quando a paciente tenta um ou mais ciclos de FIV e não há resposta ovariana, ou a resposta é pobre; quando a qualidade dos óvulos ou dos embriões é baixa; ou quando os embriões transferidos não resultam em gravidez, a única opção é a utilização de óvulos doados”, explica o médico paranaense.
Esse é, invariavelmente, um diagnóstico devastador para qualquer mulher. Que o diga a professora M., de 43 anos. Quando conversou com a Fértil, ela tinha acabado de descobrir que nenhum dos três óvulos que foram aspirados para realização de uma FIV (sua segunda tentativa) tinha qualidades para serem utilizados no tratamento. Não chegaram sequer a ser fecundados. “Acabou-se tudo… Os médicos disseram que nem adianta mais tentar, porque não vai dar certo. Estou acabada, arrasada” desabafou, muito emocionada.
Antes de descobrir que sofria do problema, a professora nunca tinha ouvido falar de reserva ovariana diminuída. “Eles sugeriram a doação de óvulos para fecundar com esperma do meu marido… Eu não sei se vou aceitar. Sei que vou gerar, dar à luz, tudo isso, mas não é a mesma coisa… Ainda não acredito que eu mesma não posso ter…”, lamentou M., chorando bastante. “Quem sabe daqui a alguns meses eu mude de idéia, pode até ser que eu resolva fazer. Mas, pó enquanto, ainda é muito recente…”.
A funcionária pública G., de 45 anos, também teve muita dificuldade para aceitar a doação de óvulo como solução. Portadora de endometriose, G. descobriu que tinha baixa reserva ovariana quando começou a tentar engravidar, há 5 anos. Depois da primeira FIV, em que usou seus próprios óvulos, mas não conseguiu engravidar, o médico aconselhou que ela partisse para a doação.
“Não gostei muito desse prognóstico, porque eu sempre quis ter um filho MEU e do meu marido, que se parecesse com nós dois. Resolvemos tentar com outro médico, pois achávamos que apesar das remotas nós iríamos conseguir. Depois de muitas tentativas frustradas e muito dinheiro gasto, desistimos do sonho e nos inscrevemos para adoção”, conta. “Chegamos a ficar um ano na fila quando, após o nascimento da filha de uma amiga, vendocomo meu marido a carregava no colo, eu me compadeci e passei a aceitar a adoção como uma opção. Voltamos ao primeiro médico, que tinha sido tão sincero conosco, e – engravidei na primeira tentativa”, comemora.
Com a filha de três meses no colo, G. faz questão de deixar um recado: “antes, eu tinha medo que um filho gerado de óvulo doado não fosse ser tão amado quanto um ‘filho de próprio sangue’. Mas hoje vejo que não faz diferença nenhuma! Minha filha é tão amada quanto qualquer outro bebê, e este amor cresce a cada dia”, resume.
Para evitar situações tão difíceis e dolorosas, a única alternativa segura é antecipar os planos de maternidade. De uma forma geral, quanto mais jovem, menos problemas a mulher terá para engravidar. Mas, na sociedade moderna, em que a mulher disputa espaço no mercado de trabalho e têm ambições profissionais elevadas, essa opção é cada vez mais rara.
“É possível conciliar a carreira com o desejo de engravidar?”, pergunta o Dr. Hilton. E ele mesmo responde: “acredito que sim. Talvez no futuro seja freqüente uma garota de vinte anos entrar numa clínica e dizer: ‘doutor, quero congelar meus óvulos. Tenho que terminar a faculdade, fazer mestrado, doutorado e pós-doutorado. Só quero pensar em engravidar após 40 anos!, afirma o médico”.
O Dr. Antonio imagina um caminho diferente: “talvez, com o avanço da biotecnologia molecular e maior conhecimento sobre as células-tronco, seja possível reproduzirmos os genes que, nos ovários, levam à formação dos óvulos”, imagina o Dr. Antonio.
São, sem dúvida, dois jeitos interessantes de driblar o temido relógio biológico.